terça-feira, 28 de maio de 2013

sushi

Podaram mil vezes os galhos da macieira, com um objetivo insano de que ela se tornasse a mais bela e perfeita macieira de que já se ouvira falar. A luta constante pela perfeição, entanto, impedia que a macieira, a seu tempo, compreendesse a natureza dos elementos que a alimentavam: o vento, a água, a força dos galhos se expandindo. Em vez disso, a pobre árvore enrijeceu, contraiu-se, fechou sua existência para tudo o que a sua volta chamava para vida. Mas esta é tão resistente que com a morte da macieira, outros bichos fartaram-se de existência. Adentrando-se em suas raízes, pelos vãos apodrecidos espalham líquens de odor insuportável aos seres da luz. Em tudo há resistência. 

Desconfia de tudo. Prefere restar parado, inerte, sem pensamentos que o desviem da intenção de não se envolver, não se misturar, até que tudo passe, o grande ruído, os movimentos tenebrosos abaixo do céu. Os cinco dedos das mãos não querem nada agarrar. Se chove ou faz sol, a isso não dá atenção. Ficaria melhor sem prestar a nada um comentário. Os olhos, se observar bem, movem-se numa rapidez de átomos - quase parados. 

quando isso aconteceu?

A primeira vez em que esperou, viu que tudo ia ser uma longa espera. E decidiu não querer. Ainda que muito quisesse, mas já pra agora, no momento em que a mão leva o alimento à boca e este é certo, sem temor, sem resistência. Estava sentado num banco de escola ouvindo a voz que saía da garganta de um homem. Percebeu que era uma voz oca e cansada - uma voz sem alma. Muito mais grave é que a insistência com que o homem repetia sílaba por sílaba aquelas palavras provocava um estado de torpor (ao contrário dele, que sentiu medo de que aquela fosse uma doença e que ele pudesse, em adulto, contrair um estado pleno de inexistência). Saiu correndo. Mas no momento em que se afastava, percebeu que em várias salas daquelas em que havia garotos sentados em silêncio olhando o nada, outros homens e mulheres moviam seus lábios e lançavam suas inflexões ocas e cansadas para aquelas cabeças enfileiradas obrigadas a se manter ali. O mundo todo era um hospício, concluiu. Para onde fugir?

E o mundo se encheu de palavras e as palavras se especializaram em discursos. Cada discursos pegou, agarrou, sustentou o seu quinhão e transformou-se numa cornucópia insólita que produzia a cada repetição um bolo enorme de dinheiro, sustentado apenas pelo dono da cornucópia - que enfiava ali dentro homens e mulheres aptos a repetirem milhões de vezes os mesmos discursos. Enquanto a risada sinistra ecoava. Não quero! Não posso. Engula isso. Você tem que continuar. Vai viver de quê? Apaguem suas pegadas, disse o dramaturgo. Apaguem, não deixem registros. De outro modo, eles o apanharão e o farão repetir discursos dentro de salas. 

- Penso em viver com você. Num lugar onde não haja espelhos e eu não possa ver que estou envelhecendo. O tempo me arrasta muito rápido para o lugar onde só haverá cansaço. (Todos os dias, a planta exige água). Não tenho muita amizade com o tempo. Ele fugiu de mim, e agora me quer de volta. (A planta não vai pedir a ninguém que a torne úmida). Ontem, ouvi gemidos. O alimento deve ser muito bem escolhido. Ande. Atormente-se mais um pouco. Essa é a sala das aberrações - ali, naquele canto, está a máquina onde se formam os pensamentos imperfeitos. Uma criança pode com um desses pensamentos portar-se como um velho incapaz de se mover. Algumas vezes enxertamos essas sensações em seres muito pequenos, que acabaram de chegar dentro do centro da vida. (Roube uma flor, e leve para o seu amor). Ela espera que você aguente mais um pouco. Pode não ser difícil. (Penso em viver com a flor e todos os dias - o quanto for preciso - alimentar esta flor e ver suas pétalas crescerem. Como as penas de um pequeno pássaro que um dia entenderá que nasceu somente para o voo e os espaços infinitos).