terça-feira, 27 de maio de 2014

irmãos

E mesmo que você não tenha me perguntado
(ah, eu contei pra ela o sonho das duas imagens e a moça)
Eu sou contra você vir morar pro centro da cidade

Logo agora que teve essa briga aí
E você jura que a razão é só tua
Não sei... desconfio que não
Ele fez o que? Pediu dinheiro 
Quanto ele pediu? Algum para o almoço
E você disse que não tinha
E ele disse que você estava era gastando
Gastando o que não devia com essa uma

Enfim, o sonho era mais ou menos assim
Eu deitada num divã mesmo, desse tipo aqui
E entrava uma moça no quarto 
(porque me parecia um quarto)
Ela ia para um canto se banhar
E dois espelhos 
(uma na parede frontal e outro na lateral)
Refletiam a imagem da moça se banhando

O mais interessante é que... 
(e é justo por isso que eu acho que você 
não deve mesmo vir morar pro centro)
as mãos saíam do espelho e pegavam 
água da pequena fonte
(Pelo menos não agora, 
antes d´ele perdoar você)

segunda-feira, 5 de maio de 2014

Que lindo!

do quarto eu ouvi
quando você correu
para escrever o poema
porque o poema corria de você
e se você não fosse correndo, o poema
correria de um jeito que não ia ter jeito
ia ficar só aquele resto de coisa
como um resto do sonho que a gente
tenta a todo custo, antes de trocar
qualquer palavra com alguém ,
recuperar vozes, rostos, roteiros
ouvi e pensei, é um poema o que ela
e o bater louco de teclas mordia
letra por letra a palavra inteira
pensei no que podia ser, acho que ouvi
sim, talvez, alguma coisa como "flores"
brotando, saindo da urgência
riscando um desenho vivo e limpo
sopro aberto, aquela luz da geladeira
o frio, e a cara enfiada lá dentro

sábado, 3 de maio de 2014

órbitas

Querido, hoje vi você sem óculos
Num desses álbuns virtuais
Vasculhados pelas minhas solidões
Tenho gasto horas assim
Vendo vidas alheias
Para ver se encontro na minha
Algum sentido, uma pista

Que distração, hein?
Tua mãe, uma irmã talvez
Deixou que você fosse flagrado 
Na nudez de seus olhos cegos 
Sem que você visse ou pedisse
Essa tão secreta intimidade
Que você costuma preservar 
Atrás dos óculos escuros
Me faltava esse recorte...

Olhei sua face fotografada
Por longo tempo suspenso
O par de orelhas
O desenho de sua boca
Logo abaixo do nariz
Parados, coadjuvantes
Diante de tanta expressão
O esquerdo completo fechado
Como se costurado fosse
E o direito, aquele arregalado 
Tonto, perdido, peixe sozinho
Num eterno aquário

Olhei tanto que quase compreendi
O mistério que subsiste 
Por trás das coisas sem voz
Depois esqueci tudo 
E os gritos da rua voltaram 
A me assustar os ouvidos