terça-feira, 19 de abril de 2016

Se isto serve como um poema



os três e eu ali éramos
uma pequena estrutura de desastre
pronta para ser ativada
quando eu começasse a falar

antes de chegarmos à sala
onde aconteceria a defesa da tese
(sim, é disso que trata o poema
- e não do fato de aquele especialista
tomar o autor como sua propriedade)
antes, como já mencionado 
no quinto verso
fui a um café com um amigo
e ele me perguntou se eu estava preparada

nesse mesmo instante,
a moça do café se aproximou
e como uma criança prestes a ouvir
a primeira palavra de um ditado
aguardou em silêncio
- não uma resposta ao que o amigo 
perguntou-
mas o pedido que deveríamos fazer

Nisso o chão se abriu
e no momento seguinte
estávamos eu e os três ali
dentro daquela sala
sem que eu pudesse gritar

meus dedos percorreram trêmulos
a borda da carteira
naqueles lugares secretos
onde se largam os chicletes
eternamente gastos e sem gosto
à procura de algum dispositivo
capaz de livrar-me de um
previsível espetáculo de execução
então comecei a falar

My favorite things

Aconteceu perto daqui
dentro do corpo, veio um vento quente
e as árvores do pensamento
desfolharam-se todas
era outono dentro de mim
enquanto eu olhava você
um avião cruzou o céu
e eu quis significar o avião
e eu quis significar o céu
olhei pra cima e fotografei o avião
                            fotografei o céu
dentro do avião - talvez - uma moça de azul
deixava de observar quem a observava
ansiosa para que o futuro chegasse logo
para se livrar da ideia inescapável
de todos morrerem ali
sem a mínima esperança
de mais um beijo ou mais um café
atrás dela, uma criança ajustava as cores de um cubo mágico
enquanto girava as peças, você me dizia coisas do tipo:
"Gosto de fechar os olhos e olhar pro sol!
Dá pra ver uma tela de sangue dentro do corpo. Você gosta?"
Não querendo interromper
o que estava acontecendo ali
John Coltrane disse que eu anotasse essa também